domingo, 27 de setembro de 2009

websarau

Participei, com muito gosto, do websarau promovido pela Andréia Pires (agora de "casa" nova). Taí o resultado:


Este poema chama-se "Sólo para verte" e é de autoria da poeta argentina Nela Rio. A Andréia fez a dissertação de mestrado dela sobre a obra da autora. Quem quiser ver outros vídeos em homenagem à poeta ou mesmo participar da iniciativa basta acessar o blog Quando Nela Rio, também da Andréia.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

o contador de calculadoras

Era uma vez um cara cuja função era contar calculadoras. Calculava brevemente quantas deviam ali estar. Se ele usasse uma das quais tinha que contar para fazer a conta acabava perdendo-se nas contas. Conta-se que o tal contador se contentava com quantas pudesse contar. Às vezes contava muitas, outras vezes cantava um pouco quando outras quantas encontrava. Caso estranho este que conto, contar calculadoras pode gerar um loop de danos incontáveis. Isso calculo eu. Ficar à cata, de algo que conta, contando aos poucos pelos cantos. Que encanto há nisso? Mas era preciso que alguém contasse as calculadoras na conta exata para que estas exatamente calculassem os cálculos que não se faz em conta-de-cabeça. É cada coisa que acontece que nem nos damos conta...

PS: Texto em homenagem ao Rody Cáceres.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

mitômano

Eu vou revelar um segredo. Eu matei um homem. Foi legítima defesa, juro. Era um estuprador. Estava prestes a fazer aquilo que lhe dava prazer. Foi meio instintivo. Bati nele com uma pedra, pelas costas. Foi meio covarde, confesso. E só depois que o fiz, percebi que não havia mulher alguma. Ele estava violentando uma cachorra. Tenho certeza. Apesar de a cachorra estar apenas comendo ração, tranquilamente. Posso ter me enganado, é possível, mas já estava feito. Foi o avião que me distraiu. Um que aterrisou no meio da rua, em pleno sol das três da tarde. Engraçado como ninguém se assustou. Nem perceberam os gritos desesperados da mulher, digo, da cachorra. Mas eu sou inocente, viu? Até a Polícia disse isso. Principalmente porque não havia cadáver. Fazer o que se havia uma harpia de três metros no beco em que matei o homem? A harpia comeu ele inteiro, nem pausa pra respirar deu. Antes de sair voando me pediu segredo. E eu sou louco de contrariar uma harpia de três metros? Só estou contando isso pois algo pode acabar dando mal para mim. Ainda mais depois que testemunhei um rato matando um gato. Sardinha envenenada. O gato foi muito pato de cair na conversa mole do rato. O rato disse que tinha consciência social e o gato, por sua vez, poupou a vida do rato por pieguice. Bem feito. Bom, está ficando tarde e preciso ir ver as estrelas. É que um ET amigo meu me prometeu que vai piscar duas vezes as luzes verdes da nave dele quando passar por aqui de novo...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

pieguice perdida

Sentei à mesa daquele boteco velho. Não era fedido. Serviam A la Minuta. Há dias que não almoço. Ando comendo toda sorte de porcaria. Economia de tempo e de dinheiro. Era pra ser um dia bom, mas a chuva lá fora impedia minha alegria completa. Há dias não acho um sorriso no meu rosto. Não ando tendo motivos pra tanto. Sentei e esperei. A moça disse que já chegava. Comida de verdade. Espera de verdade. Foi aí que a epifania se desnudou. Um homem, de aparência humilde, escassos dentes na boca nua, olhos enviesados, adentrou o pesado ar do recinto. "Uma taça de café com leite e um pão com manteiga", pediu ele, sucinto. Não sei se foi a simplicidade do pedido ou a tortuosa figura que o fazia, mas essa cena me deu um nó na garganta. Lembrei da última crônica do Sabino. Lembrei da minha infância bucólica. Lembrei que há tempos esqueci o que é chorar. Até ando tendo motivos para tanto. Estranhamente, meus olhos marejaram. Me segurei para não derramar ali minha pieguice reencontrada. Olhei para o lado, havia uma TV que transmitia uma novela requentada. Mas a figura em minha frente era, de fato, cativante. Seu sorriso despreocupado e seus olhos brilhantes perante a TV contrastavam com a pobreza do prato à sua frente. Tentei lembrar quando foi a última vez que me comovi. Não consegui. O A la minuta chegou. Comi aos poucos, para lembrar como era um almoço, para esquecer meus sentimentos escusos. Só me atrevi a olhar novamente quando o sujeito se levantou. Do bolso dele saíram gordas notas de cinquenta para quitar a parca dívida. E eu, definitivamente comovido, lembrei que teria que contar minhas moedas para pagar o único almoço que tive em dias.